Mestre Alberto

(Imagem: Ricardo Borges/Folhapress)

É com muita tristeza que o Instituto Brasil África informa a passagem do Embaixador Alberto da Costa e Silva, aos 92 anos, na madrugada do dia 26 de novembro no Rio de Janeiro. Viúvo de Vera Queiroz da Costa e Silva, deixa uma bisneta recém-nascida, sete netos, e três filhos: a Embaixatriz Elza Maria e o Embaixador Antônio Francisco e o Embaixador Pedro Miguel. Historiador, poeta e diplomata, Alberto da Costa e Silva foi um dos mais importantes intelectuais do Brasil e um dos grandes conhecedores da África subsaariana. Sua vida foi dedicada ao estudo da cultura africana e sua marca inconfundível na sociedade brasileira. Ao longo de sua carreira, foi autor de mais de 40 livros, entre ensaios e poesia, história, memórias e antologias. Alberto Vasconcellos da Costa e Silva, nascido na cidade de São Paulo, filho do poeta Antônio Francisco da Costa e Silva e de Creusa Fontenelle de Vasconcellos da Costa e Silva. Passou sua infância em Fortaleza, antes de embarcar em 1943, rumo ao Rio de Janeiro, então capital federal. Ingressou efetivamente na carreira diplomática em 1957 ao se formar no Instituto Rio Branco com 26 anos de idade. Ao longo de sua longa trajetória profissional no Itamaraty, ocupou relevantes funções. Foi secretário na Embaixada do Brasil em Lisboa (1960-63) e na Embaixada de Caracas (1963-64). Serviu como Cônsul em Caracas (1964-67); Auxiliar do Secretário-Geral de Política Exterior (1967-69); Secretário na Embaixada em Washington (1969); Oficial de Gabinete e Assessor de Coordenação do Ministro das Relações Exteriores (1970-74); Ministro- Conselheiro na Embaixada em Madri (1974-76); Ministro-Conselheiro na Embaixada em Roma (1977-79).

Foi nomeado Embaixador em Lagos, Nigéria (1979-83) e cumulativamente em Cotonu, República do Benim (1981-83). Em Brasília, foi Chefe do Departamento Cultural do Ministério das Relações Exteriores (1983-84); Subsecretário-Geral de Administração do Ministério das Relações Exteriores (1984-86). Chefiou as Embaixadas do Brasil em Lisboa (1986-90), em Bogotá (1990-93), e em Assunção (1993-95). Antes de se aposentar, serviu como Inspetor-Geral do Ministério das Relações Exteriores de 1995 a 1998. Representou o Brasil em inúmeras reuniões internacionais, tendo sido delegado do Brasil na reunião da Comissão Econômica das Nações Unidas para a África, em Adis Abeba, em 1961; foi representante pessoal do Ministro das Relações Exteriores nos encontros ministeriais, realizados em São Domingo, em 1984, pela Organização dos Estados Americanos, para a preparação das comemorações do V Centenário do Descobrimento da América; e representante pessoal do Ministro das Relações Exteriores na Reunião dos Ministros das Relações Exteriores do Mecanismo Permanente de Consulta e Concertação Política (Grupo do Rio), em 1991. Deu valiosa contribuição à diplomacia brasileira como um dos grandes arquitetos da política externa para continente africano. Ainda jovem diplomata, foi convidado pelo Embaixador Negrão de Lima para acompanhar a missão oficial brasileira à Nigeria, por ocasião das cerimônias de Independência em 1960. Foi sua primeira viagem à África, que dimensionou seu fascínio pelo continente, até então limitado aos livros.

O então Primeiro Secretario Alberto da Costa e Silva, foi assessor político do Embaixador Mário Gibson Barbosa, antes empossado como Chanceler. Teve oportunidade de influenciar o novo Ministro, com respeito à África, que até aquele momento não merecera maior atenção e prioridade. Em 1972, o Ministro Gibson Barbosa –já empossado– realizou pioneira visita a nove países da África Ocidental, a saber, Costa do Marfim, Gana, Togo, Daomé (atual Benim), Zaire (atual República Democrática do Congo), Camarões, Nigéria, Senegal e Gabão. Nesse périplo, que durou um mês, celebrou uma série de acordos bilaterais que sedimentaram laços políticos e econômicos com o continente. Gibson, em sua autobiografia, relembra: “Em todos os aspectos dessa importante iniciativa de política externa que foi a abertura para a África, devo destacar a competente, inspirada e entusiástica colaboração que recebi de Alberto da Costa e Silva, então meu oficial de gabinete, hoje embaixador, grande especialista e estudioso das culturas e civilizações africanas.”

Além desse legado, Alberto da Costa e Silva desenvolveu brilhante carreira acadêmica. Foi singular sua contribuição à bibliografia brasileira sobre a África Negra, que inclui “A enxada e a lança: a África antes dos Portugueses” (1992), “As relações entre o Brasil e a África Negra, de 1822 à 1° Guerra Mundial” (1996), “A Manilha e o Libambo: A África e a Escravidão, de 1500 à 1700” (2002), “Um Rio Chamado Atlântico” (2012), “Francisco Félix de Souza, Mercador de Escravos” (2004). Essa preciosa aporte cientifica preencheu uma clara lacuna na literatura brasileira. Foi eleito para a Academia Brasileira de Letras em 2000, sendo o quarto ocupante da Cadeira nº 9, na sucessão de Carlos Chagas Filho. Presidiu a ABL no biênio 2002-2003. Ocupou os cargos de Secretário-Geral em 2001, Primeiro-Secretário em 2008-2009 e Diretor das Bibliotecas em 2010-15. Cabe especial menção às suas saborosas memórias, a exemplo do “Espelho do Príncipe” (1994) onde relata sua infância no Ceará – sempre fiel as suas raízes nordestinas. Em 2014, foi prestigiado com o Prêmio Camões. Em 2003, como Intelectual do Ano, recebeu da União Brasileira de Escritores e da Folha de S. Paulo o Prêmio Juca Pato. Em 2007, foi escolhido o “Homem de Ideias” pelo Jornal do Brasil. Seu interesse pelo continente africano teve início ainda na adolescência, ao ler “Casa Grande e Senzala” de Gilberto Freyre. Desde então germinou a semente de imensa curiosidade e paixão pelas profundas raízes africanas do Brasil. Convencido de que não se pode entender o Brasil sem conhecer Portugal e a África, empenhou-se em compreender o elo umbilical entre os dois lados do Atlântico.

Entre suas atividades intelectuais, destaca-se também a participação como membro do Comitê Científico do Programa Rota dos Escravos, da UNESCO, de 1997 a 2005, e consequentemente aos estudos para a coleção “História Geral da África”. Fruto de um programa lançado em 1964, essa coleção tem como objetivo trazer luz à história do continente africano. O desafio consistia em reconstruir a história da África, libertando-a dos preconceitos raciais resultantes da colonização, e promover uma perspectiva genuinamente africana de sua própria história. Habilidoso e carismático diplomata, Alberto da Costa e Silva foi farol de inspiração para todos os estudiosos de história em geral e especialmente para os apaixonados pela África. Foi fiel executor de uma política externa do Brasil condizente com as nossas origens africanas. Ele tem uma obra fundamental elucidando o quanto devemos para o continente africano, mostrando que entre a África e o Brasil há apenas um rio – um rio chamado Atlântico. Fará uma falta incomensurável ao Brasil e à África, tendo deixado uma memória e uma obra perenes. O Instituto Brasil África expressa aos colegas, aos amigos e à família do Embaixador Alberto daCosta e Silva as mais sentidas condolências.

Em 2017, o Embaixador Alberto da Costa Silva recebeu a equipe de ATLANTICO em sua casa,
no Rio de Janeiro para uma entrevista, disponível no link abaixo:
https://atlanticoonline.com/alberto-da-costa-e-silva-precisamos-cuidar-bem-da-africa/

Texto por Pedro Fontenele Reis