Debate Aberto para o Enfrentamento das Raízes de Insegurança e Promoção da Recuperação Pós-pandemia na África

Por João Paulo Alves – Internacionalista e Coordenador de Projetos do Instituto Brasil África

Na última semana, em 19 de Maio, o Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), junto ao Secretário Geral das Nações Unidas, António Guterres, o Administrador do UNDP, Achim Steiner, e o Chefe da Comissão da União Africana, Moussa Faki, reuniu-se virtualmente para um debate aberto sobre a situação de paz e segurança no continente africano à luz da pandemia de COVID-19. O foco do encontro direcionou-se para o mapeamento daqueles que são os “elos frágeis” da recuperação global, que podem colocar em risco o retorno à normalidade, se não auxiliados em suas particularidades.

O Debate Aberto foi convocado pela China, como um dos eventos-chave de sua Presidência do CSNU. Essa abordagem reforça a posição destacada da China no sistema multilateral, aproveitando-se da retração estadunidense, e imprimindo os seus imperativos estratégicos na agenda global. A África é central para a política externa chinesa, integrando a Belt and Road Initiative (BRI) e abrigando a primeira base militar extrarregional do país (no Djibouti).

António Guterres, na abertura, alertou para o risco que a comunidade internacional assume ao simplesmente assentir a uma recuperação desigual. A preocupação central do CSNU foca-se em como a África tem sofrido, com a pandemia, a interrupção (e mesmo a reversão) de conquistas positivas dos últimos anos, sobretudo em três áreas: conciliação política, crescimento econômico e redução da pobreza. Os avanços da Agenda 2030 da ONU e da Agenda 2063 da UA, principalmente no tocante ao objetivo de construção de paz, justiça e instituições sólidas, e do silenciamento das armas no continente africano, encontram-se em xeque.

Aponta-se, em primeiro lugar, para a forma como a pandemia tem criado aberturas para que governos africanos adotem medidas questionadas por autoridades internacionais como antidemocráticas e desestabilizadoras. A ONU e a UA manifestaram preocupação, no último ano, com os processos eleitorais marcados por choques civis na Somália, no Burundi, na Guiné e na República Centro Africana. Moussa Faki, em seu discurso, apontou para o risco da pandemia romper os diálogos políticos no Sudão, no Mali, no Chade e na Líbia. 

Em segundo lugar, atenta-se para o impacto da pandemia sobre as economias africanas: enquanto a África passou por um crescimento de 3.7% em 2019, o continente enfrentou a sua primeira recessão em 25 anos em 2020, tendo o PIB continental sofrido uma queda geral de -3.3% no ano. Em contrapartida, houve um enorme crescimento da dívida pública, atingindo 58% do PIB continental, e colocando 20 países em situação de alto risco de insustentabilidade financeira, devido à expansão dos gastos governamentais em serviços de saúde pública.

Em terceiro lugar, a COVID-19 empurrou 40 milhões de africanos para a extrema pobreza, colocando comunidades inteiras em situação de extrema vulnerabilidade. Guterres e Faki atentaram para a importância da segurança humana como vetor da segurança internacional. Indivíduos enfrentando pobreza, desigualdade social e insegurança alimentar são mais vulneráveis à cooptação por grupos insurgentes, na busca por estabilidade e bem-estar, como a Al-Qaeda, o LRA e o Boko Haram.

A África tem respondido com muito comprometimento, reforçando a cooperação internacional e a governança continental ao invés de abandoná-las em favor de nacionalismos egoístas. A ONU, na figura de suas agências especializadas, junto à União Africana e ao Banco Africano de Desenvolvimento, direcionou esforços e recursos para que os Estados não desestruturem as suas redes de seguridade social. Segundo estimativas, serão necessários US$200 bilhões por ano nos próximos anos para que o continente mantenha uma recuperação estável, rápida e inclusiva. 

Foi levantada a urgente necessidade de coordenação entre o CSNU e o Conselho de Paz e Segurança da União Africana, para que os hotspots sejam identificados e desarmados antes de mergulharem em caos e violência. Guterres apontou, como medida, a indicação de um Enviado Especial para o Sahel, onde a presença de grupos terroristas tem ameaçado o diálogo entre os governos e a sociedade civil. 

O Banco Mundial aprovou o desembolso de US$50 bilhões para auxiliar a África na contenção e na recuperação da pandemia, com foco no fortalecimento dos sistemas de saúde e distribuição de vacinas, na preservação e criação de empregos e na reconstrução econômica justa e inclusiva. Conscientes do legado negativo dos Programas de Ajuste Estrutural (PEA) da década de 1980, os países africanos priorizam a vida humana e o bem-estar social à estabilidade macroeconômica. 

A coordenação entre UNDP, FAO, PMA, IFAD, UNHCR e UNECA e os Estados africanos será essencial para evitar que desemprego, desabastecimento e migrações se tornem crises humanitárias, com impactos que transcendem fronteiras. Em zonas de vulnerabilidade, afetadas por guerras civis, desastres naturais e crises de refugiados, recursos alocados de forma planejada para a manutenção e expansão de programas sociais, de transferência de renda à alimentação escolar e à habitação social, serão chave para a manutenção da paz e da segurança.

O Debate Aberto colocou em evidência, acima de tudo, a necessidade de assumir que a recuperação global da pandemia não pode ser atingida sem uma recuperação igualitária. A paz e a segurança do continente africano devem ser priorizadas para que os rescaldos da pandemia de COVID-19 não se tornem crises generalizadas, afetando negativamente os fluxos internacionais de pessoas, bens e serviços e estendendo um longo período de sofrimento humano.