Análise: O Brasil na Cúpula de Líderes sobre o Clima

Por João Paulo Alves – Internacionalista e Coordenador de Projetos do Instituto Brasil África
A Cúpula de Líderes sobre o Clima reúne mais de 40 líderes, com a presença de algumas das maiores economias do mundo, para reconstruir o consenso global sobre mudanças climáticas.
O evento foi aberto pelas falas do Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, e do Secretário-Geral da ONU, António Guterres, que destacaram as dificuldades para conter o avanço da pandemia de COVID-19 como provas de que é preciso reforçar o sistema multilateral urgentemente, para responder a essa próxima grande crise.
O discurso de Jair Bolsonaro era um dos mais esperados do primeiro dia da Cúpula, pois sem Donald Trump na Casa Branca o presidente brasileiro não encontra mais espaço para reverberar o mesmo discurso negacionista. A pressão da comunidade internacional e da sociedade civil diante dos problemas do Brasil tem aumentado significativamente e não há sinal da saída de Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, da pasta.
Jair Bolsonaro, pelo menos no âmbito do discurso diplomático, apresentou alguma inflexão. Deixou o radicalismo de lado e sinalizou uma posição mais moderada, retomando a tradição brasileira nesse campo. A saída do Chanceler Ernesto Araújo já indicava uma posição mais apaziguadora e isso ficou claro no discurso do presidente.
Bolsonaro retomou conceitos de governos anteriores:
- Citou o conceito de “responsabilidades comuns, porém diferenciadas”, proposta surgida por iniciativa brasileira na Rio-92
- Destacou que o Brasil está na linha de frente da agricultura sustentável – o que é fato, resultado do esforço da EMBRAPA nos projetos de Agricultura de Baixo Carbono e Integração Lavoura-Pecuária-Floresta
- Mencionou que a matriz energética brasileira é uma das mais limpas do mundo, sendo quase 50% renovável – o que também é fato, com uso de bioenergia e hidroeletricidade
Mas também assumiu novos compromissos, que chama a atenção:
- Prometeu a neutralidade climática até 2050, antecipando em 10 anos o compromisso anterior
- Garantiu o compromisso com fim do desmatamento ilegal da Amazônia até 2030
Alguns aspectos ficaram de fora, o que mostra que não houve uma inflexão tão significativa – só o mínimo necessário para mitigar o isolamento internacional:
- Não sinalizou mudanças nas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs) para 2025 e 2030
- Não mencionou comunidades locais, indígenas e quilombolas, nem as populações e movimentos sem terra
- Também não houve menção à Cooperação Sul-Sul, um componente importante na preservação das florestas tropicais no Brasil, na África Central e na Indonésia
A mudança no discurso não significa uma mudança automática na prática, e não houve sinais recentes, em termos de fortalecimento institucional, mobilização de recursos e valorização técnica para a área de conservação ambiental.
O Ministério do Meio Ambiente segue enfraquecido, assim como o IBAMA e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), e isso só será revertido se ocorrer uma troca na liderança nas duas entidades.
As mudanças são essenciais para que o Brasil volte a contar com apoio internacional, seja pelo Fundo Amazônia, seja por outras iniciativas recém lançadas como parte desse novo esforço dos Estados Unidos em retomarem o papel de líderes da agenda climática global.
Vai ser necessário mostrar comprometimento efetivo e resultados concretos, no aumento das inversões em fiscalização – como ficou prometido – e na proteção do espaço amazônico, o que significa sacrificar o negacionismo ideológico que foi pregado até então.