Análise: os Diálogos de Alto Nível sobre Alimentação na África

Por João Paulo Alves – Internacionalista e Coordenador de Projetos do Instituto Brasil África

Os Diálogos de Alto Nível sobre Alimentação na África trouxeram à tona, mais uma vez, esse que é um dos temas mais sensíveis e relevantes para o desenvolvimento africano: segurança alimentar. O evento foi aberto pelas falas de Akinwumi Adesina, Presidente do BAD, Gilbert Houngbo, Presidente do IFAD, e Tony Blair, ex-Primeiro-Ministro do Reino Unido. As autoridades chegaram ao consenso de que a tecnologia está no centro, e é a liga, do trinômio “agricultura, tecnologia e mudanças climáticas“, composição chave para o alcance da segurança alimentar no continente, porque é a única forma de garantir que os sistemas alimentares sejam democráticos e sustentáveis

A África dispõe de uma população jovem, crescimento econômico muito acelerado e 60% das terras férteis de todo mundo. Na maioria dos países desenvolvidos e em desenvolvimento, inclusive no Brasil, o desenvolvimento agrícola ocorreu de forma gradual e progressiva, dando um passo de cada vez: primeiro, o agro como negócio; depois, mecanização do campo, desenvolvimento da biotecnologia, informática e agricultura 4.0, e agricultura verde. Na África, com tecnologia, há a oportunidade de dar um salto qualitativo e quantitativo, avançando em todas essas frentes em simultâneo, estabelecendo uma agricultura competitiva, moderna e ecológica. 

O evento também contou com um Diálogo de Chefes de Estado, focado na cooperação intergovernamental e em políticas públicas de combate à fome, conversas sobre intervenções, políticas públicas e boas práticas de nutrição e alimentação, e a assinatura de um Memorando de Entendimento entre a FAO e o BADEA. As discussões e os palestrantes foram, sem exceção, enfáticos no destaque à transformação tecnológica como único caminho para a segurança alimentar no continente africano.

Houve, frequentemente, a relembrança à Declaração de Malabo, de 2014, quando os países africanos comprometeram-se a gastar 10% de seus orçamentos públicos em agricultura, para erradicar a fome no continente. A avaliação quase uma década depois, contudo, foi moderada: somente uma pequena quantidade de países de fato implementou esse comprometimento, seja em razão de crises políticas e econômicas que comprometeram a disponibilidade a alocação de recursos, seja em razão da ausência de um mecanismo internacional que garantisse a responsabilização nacional.

Adesina propôs a criação de uma “instituição financeira pan-africana para segurança alimentar”, cujo objetivo seria a alocação de recursos para investimentos em pesquisa e desenvolvimento, para a criação de novas tecnologias de caráter nativo, e o suporte a políticas públicas de produção e distribuição de alimentos, como programas de alimentação escolar. Destacou-se que liquidez não seria um problema atualmente, mas que é necessário – e já há indicativos nessa direção – que os Estados inflexionem suas abordagens focadas em subsídios governamentais, que arriscam a criação de sistemas patronais insustentáveis no longo-prazo, para intervenções focadas na viabilização de mercados agrícolas, tendo como motor o empreendedorismo do setor privado.

Foram apresentados pelo BAD alguns programas-chave que endereçam, à nível continental, a insegurança alimentar, demonstrando um compromisso com o mencionado trinômio:

  1. TAAT – Technologies for African Agricultural Transformation (tecnologias)
  2. CCADP – Comprehensive African Agriculutral Development Programme (agricultura)
  3. AAAP – African Adaptation Acceleration Program (mudanças climáticas)
  4. GAFSP – Global Agriculture and Food Security Program (segurança alimentar)

A África tem mantido a segurança alimentar no topo da sua agenda, ensejando projetos e ações de toda sorte para endereçar esse problema que é um entrave estrutural para o progresso econômico nesses países. A situação de insegurança alimentar no continente não tem seguido a tendência global de melhora, e o crescimento populacional mascara o aumento absoluto de indivíduos em situação de subnutrição e obesidade. Nessa nova década, com os arranjos no lugar e os recursos disponíveis, a África deve passar do planejamento para a ação, erradicando a fome até 2030 para encontrar um sólido desenvolvimento socioeconômico até 2050, quando estima-se que sua população terá dobrado.